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Eduardo Galeano sempre entusiasmo!

 


RELENDO SARAMAGO

Relendo Saramago

O espaço da praça, bem que de volta eu queria
onde a vida acontecia à volta da catedral.

Os jardins, toda gente circulando tão normal,
ocupando espaço público, em bancos de contemplar,
o azul, o verde, a brisa, a mente, a prosa,
os pássaros, o sorriso, intercâmbio da alegria,
com pessoas se encontrando no prazer
de relaxar, viver e conviver…

No lugar da catedral, onde tudo acontecia,
algo estranho aconteceu,
novo perfil se estendeu.

Desse espaço de humanismo,
nova mente compulsão formatada no consumo,
se estendeu. Virou centro comercial o coração.
Tudo se aprisionou.

Tomou conta do espaço, o consumo tentação,
Foi entrando pelos olhos, nos ouvidos e nariz,
tomou conta dos sentidos, toda a mente do indivíduo,
temeroso de exclusão, de expulsão do paraíso
de comprar, consumir, de ter mais por mais não ser.

Tendo em vista a nova crise, o consumo perde espaço,
novo risco a arriscar interroga o mercado que desaba em aflição.

Há no ar acontecendo novos jeitos, que não quero especular.

Quero a crise que questione, desinstale, que coloque no lugar,
o que é justo a cada ser no espaço da catedral,
Cada qual com seu espaço alternativo de viver…

Nova praça, nova escola, novo tempo em saber me quero ver.
Quero sonhos, quero amar com todo o mundo ser feliz,
filosofo em meu querer…Novo jeito de entender,

Transformar.

Gaiô.

Outra leitura para a crise
Abril 7, 2009 by José Saramago

A mentalidade antiga formou-se numa grande superfície que se chamava catedral; agora forma-se noutra grande superfície que se chama centro comercial. O centro comercial não é apenas a nova igreja, a nova catedral, é também a nova universidade. O centro comercial ocupa um espaço importante na formação da mentalidade humana. Acabou-se a praça, o jardim ou a rua como espaço público e de intercâmbio. O centro comercial é o único espaço seguro e o que cria a nova mentalidade. Uma nova mentalidade temerosa de ser excluída, temerosa da expulsão do paraíso do consumo e por extensão da catedral das compras.
E agora, que temos? A crise.
Será que vamos voltar à praça ou à universidade? À filosofia?

Gaiô
Publicado no Recanto das Letras em 20/06/2010
Código do texto: T2330988

Zapata: um morto útil?


Enrique Ubieta

Publicado em 24 de Fevereiro de 2010 – Em MONCADA

A absoluta carência de mártires de que padece a contra-revolução cubana é proporcional a sua falta de escrúpulos. É difícil morrer em Cuba, não porque as expectativas de vida sejam as de Primeiro Mundo – ninguém morre de fome, ainda que pese a carência de recursos, nem de enfermidades curáveis –, porque impera a lei e a honestidade.

As Damas de Branco e Yoani podem ser detidas e julgadas segundo as leis vigentes – em nenhum país pode violarem-se as leis: receber dinheiro e colaborar com a embaixada do Irã (um país considerado como inimigo) nos Estados Unidos, por exemplo, pode acarretar a perda de todos os direitos cidadãos naquela nação –, porém elas sabem que em Cuba ninguém desaparece, ninguém é assassinado.

Além do mais, um Zapata entregou sua vida por um ideal que prioriza a felicidade dos demais, não por um que prioriza a própria. Assim foi a lamentável morte de Orlando Zapata, um preso comum – de extenso histórico de delitos, em nada vinculado à política –, exultada intimamente por seus “parentes”. Transformado, depois de muitas e vindas à prisão, em “ativista político”, Zapata foi o candidato perfeito para a auto-execução.

Era um homem “dispensável” para os “grupelhos” e fácil de convencer para que persistisse em uma greve de fome absurda, com pedidos impossíveis (cozinha e telefone pessoal na cela) que nenhum dos reais cabeças teve coragem de sustentar.

Cada uma das greves anteriores havia sido anunciada pelos instigadores como uma provável morte, porém os grevistas sempre desistiam em bom estado de saúde. Instigado e alentado a prosseguir até a morte – esses mercenários lavam sua mãos diante da possibilidade de que se morressem, apesar do esforço incansável dos médicos –, o cadáver de Zapata é agora exibido com cinismo como troféu coletivo.

Como abutres estavam os meios de comunicações – os mercenários e a direita internacional –, rondavam em torno do moribundo. Seu falecimento é um banquete. Um asco de espetáculo. Porque aqueles que escrevem sobre ele não lastimam a morte de um ser humano – em um país sem mortes extra-judiciais –, mas a comemoram quase com alegria e a utilizam com premeditados fins políticos. O caso de Zapata me lembra o de Pánfilo: os dois foram manipulados e, de certa forma, conduzidos à auto-destruição de forma premeditada, para satisfazer necessidades políticas alheias: um, levado a uma persistente greve de fome de 85 dias (já havia realizado outras anteriormente que afetaram a sua saúde); o outro, em pleno processo de desintoxicação alcoólica, foi convidado a beber para que dissesse na frente do magistrado o que queriam ouvir.

Pergunto-me se isso não é uma acusação contra quem agora se apropria de sua “causa”. Têm razão ao dizer que foi um assassinato, porém os meios de comunicação escondem o verdadeiro assassino: os grupelhos cubanos e seus mentores transnacionais. Zapata foi assassinado pela contra-revolução.

(Retirado do blog La Isla desconocida)

Tradução: Maria Fernanda Magalhães Scelza


GENERAL RESPONDE À MIRIAN LEITÃO

PRECISA SER LIDO E PENSADO

Resposta do General Torres de Melo à carta da jornalista.

À Senhora Jornalista Miriam Leitão

Li o seu artigo “ENQUANTO ISSO”, com todo cuidado  possível. Senti,
em suas linhas, que a senhora procura mostrar que os MILITARES
BRASILEIROS de HOJE, são bem diferentes dos MILITARES BRASILEIROS de ONTEM. Penso que esse é o ponto central de sua tese. Para criar credibilidade nas suas afirmativas, a senhora escreveu: “houve um
tempo em que a interpretação dos militares brasileiros sobre LEI E
ORDEM era rasgar as leis e ferir a ordem. Hoje em dia, eles
demonstram com convicção terem apren dido o que não podem fazer”.

Permita-me discordar dessa afirmativa de vez que vejo nela uma
injustiça, pois fiz parte dos MILITARES DE ONTEM e nunca vi os meus
camaradas militares rasgarem leis e ferir a ordem. Nem ontem nem
hoje. Vou demonstrar a minha tese.

No Império, as LEIS E A ORDEM foram rasgadas no Pará,  Ceará, Minas,
Rio, São Paulo e Rio Grande do Sul pelas paixões políticas da época.
AS LEIS E A ORDEM foram restabelecidas pelo Grande Pacificador do
Império, um Militar de Ontem, o Duque de Caxias, que com sua ação
manteve a Unidade Nacional. Não rasgamos as leis nem ferimos a
ordem. Pelo contrário. Vem a queda do Império e a República.. Pelo
que sei, e a História registra, foram políticos que acabaram
envolvendo os velhos  Marechais Deodoro e Floriano nas lides
políticas. A política dos governadores criando as oligarquias
regionais, não foi obra dos Militares de Ontem, quando as leis e a
ordem foram rasgadas e feridas  pelos donos do Poder, razão maior
das revoltas dos tenentes da década de 20, que sonhavam com um
Brasil mais democrático e justo. Os  Militares de Ontem ficaram ao
lado da lei e da Ordem. Lembro à nobre jornalista que foram os civis
políticos que fizeram a revolução de 30, apoiados, contudo, pelos
tenentes revolucionários,  menos Prestes, que abraçou o comunismo
russo.

Veio a época getuliana, que, aos poucos, foi afastando os tenentes
das decisões políticas. A revolução Paulista não foi feita pelos
Militares de Ontem e sim pelos políticos paulistas que não aceitavam
a ditadura de Vargas. Não foram os Militares de Ontem que fizeram a
revolução de 35 (senão alguns, levados por civis a se converterem
para a ideologia vermelha, mas logo combatidos e derrotados pelos
verdadeiro s Militares de Ontem); nem fizeram a revolta de 38; nem
deram o golpe de 37. Penso que a senhora, dentro de seu espírito de
justiça, há de concordar comigo que foram as velhas  raposas GETÚLIO
– CHICO CAMPOS – OSWALDO ARANHA e os chefetes que estavam nos
governos dos Estados, que aceitaram o golpe de 37. Não coloque a
culpa nos Militares de Ontem.

Veio a segunda guerra mundial. O Nazismo e o Fascismo tentam
dominaro mundo. Assistimos ao primeiro choque da hipocrisia da
esquerda. A senhora deve ter lido – pois àquela época não seria
nascida -, sobre o acordo da Alemanha e a URSS para dividirem a
pobre Polônia e os sindicatos comunistas do mundo ocidental fazendo
greves contra os seus próprios países a favor da Alemanha por
imposição da URSS e a mudança de posição quando a “Santa URSS” foi
invadida por Hitler. O Brasil ficou em cima de muro até que nossos
navios (35) foram afundados. Era a guerra, a FEB e seu término.

Getúlio – o ditador – caiu e vieram as eleições. As Forças Armadas
foram chamadas a intervir para evitar o pior. Foram os políticos que
pressionaram os Militares de Ontem para manter a ordem.

Não rasgamos as leis nem ferimos a ordem. Chamou-se o Presidente do
Supremo Tribunal Federal para, como Presidente, governar a
transição. Não se impôs MILITAR algum.

O mundo dividiu-se em dois. O lado democrático, chamado pelos
comunistas de imperialistas, e o lado comunista com as suas
ditaduras cruéis e seus celebres julgamentos “democráticos” .

Prefiro o primeiro e tenho certeza de que a senhora, também. No lado
ocidental não se tinham os GULAGs. O período Dutra (ESCOLHIDO PELOS
CIVIS E ELEITO PELO VOTO DIRETODO POVO) teve seus erros – NUNCA
CONTRA A LEI E A ORDEM – e virtudes como toda obra humana. A
colocação do Partido Comunista na ilegalidade foi uma obra do
Congresso Nacional por inabilidade do próprio Carlos Prestes, que
declarou ficar ao lado da URSS e não do Brasil em caso de guerra
entre os dois países. Dutra vivia com o “livrinho” (a Constituição)
na mão, pois os políticos, nas suas ambições, queriam intervenções
em alguns Estados , inclusive em São Paulo. A senhora deve ter lido
isso, pois há vasta literatura sobre a História daqueles idos.

Novo período de Getúlio Vargas. Ele já não tinha mais o vigor dos
anos trinta. Quem leu CHATÔ, SAMUEL WEINER (a senhora leu?) sente
que os falsos amigos de Getúlio o levaram à desgraça. Os  Militares
de Ontem não se envolveram no caso, senão para investigar os crimes
que vinham sendo cometidos sem apuração pela Polícia; nem rasgaram
leis nem feriram a ordem.

Eram os políticos que se digladiavam e procuravam nos colocar como
fiéis da balança. O seu suicídio foi uma tragédia nacional, mas não
foram os Militares de Ontem os responsáveis pela grande desgraça.

A senhora permita-me ir resumindo para não ficar longo.

Veio Juscelino e as Forças Armadas garantiram a posse, mesmo com
pequenas divergências. Eram os políticos que queriam rasgar as leis
e ferir a ordem e não os Militares de Ontem. Nessa época, há o
segundo grande choque da esquerda. No XX Congresso do Partido
Comunista da URSS (1956) Kruchov coloca a nu a desgraça do
stalinismo na URSS. Os intelectuais esquerdistas ficam sem rumo.

Juscelino chega ao fim e seu candidato perde para o senhor Jânio
Quadros. Esperança da vassoura. Desastre total. Não foram os
Militares de Ontem que rasgaram a lei e feriram a ordem. Quem
declarou vago o cargo de Presidente foi o Congresso Nacional.  A
Nação ficou ao Deus dará. Ameaça de guerra civil e os políticos
tocando fogo no País e as Forças Armadas divididas pelas paixões
políticas, disseminadas pelas “vivandeiras dos quartéis” como muito
bem alcunhou Castello.

Parlamentarismo, volta ao presidencialismo, aumento das paixões
políticas, Prestes indo até Moscou afirmando que já estavam no
governo, faltando-lhes apenas o Poder. Os militares calados e o
chefe do Estado Maior do Exército (Castello) recomendando que a
cadeia de comando deveria ser mantida de qualquer maneira. A
indisciplina chegando e incentivada dentro dos Quartéis, não pelos
Militares de Ontem e sim pelos políticos de esquerda; e as
vivandeiras tentando colocar o Exército na luta política.

Revoltas de Polícias Militares, revolta de sargentos em Brasília,
indisciplina na Marinha, comícios da Central e do Automóvel Clube
representavam a desordem e o caos contra a LEI e a ORDEM. Lacerda,
Ademar de Barros, Magalhães Pinto e outros governadores e políticos
(todos civis)incentivavam o povo à revolta. As marchas com Deus,
pela Família e pela Liberdade (promovidas por mulheres)
representavam a angústia do País. Todo esse clima não foi produzido
pelos MILITARES DE ONTEM. Eles, contudo, sempre à escuta dos apelos
do povo, pois ELES são o povo em armas, para garantir as Leis e a
Ordem. Minas desce. Liderança primeira de civil; era Magalhães
Pinto. Era a contra-revoluçã o que se impunha para evitar que o
Brasil soçobrasse ao comunismo. O governador Miguel Arraes declarava
em Recife, nas vésperas de 31 de março: haverá golpe. Não sabemos se
deles ou nosso.

Não vamos ser hipócritas. A senhora, inteligente como é, deve ter
lido muitos livros que reportam a luta política daquela época
(exemplos: A Revolução Impossível de Luis Mir – Combates nas Trevas
de Jacob Gorender – Camaradas de William Waack – etc) sabe que a
esquerda desejava implantar uma ditadura de esquerda. Quem afirma é
Jacob Gorender. Diz ele no seu livro: “a luta armada começou a ser
tentada pela esquerda em 1965 e desfechada em definitiva a partir de
1968”.. Na há, em nenhuma parte do mundo, luta armada em que se vão
plantar rosas e é por essa razão que GORENDER afirma: “se quiser
compreendê-la na perspectiva da sua história, A ESQUERDA deve
assumir a violência que praticou”. Violência gera violência.
Castello, Costa e Silva, Médici, Geisel e João Figueiredo com seus
erros e virtudes desenvolveram o País. Não vamos perder tempo com
isso. A senhora é uma economista e sabe bem disso. Veio a ANISTIA.

João Figueiredo dando murro na mesa e clamando que era para todos; e
Ulisses não desejando que Brizolla, Arraes e outros pudessem tomar
parte no novo processo eleitoral, para não lhe disputarem as chances
de Poder. João bateu o pé e todos tiveram direito, pois “lugar de
Brasileiro é no Brasil”, como dizia. Não esquecer o terceiro choque
sofrido pela a esquerda: Queda do Muro de Berlim, que até hoje a
nossa esquerda não sabe desse fato histórico.

Diretas já. Sarney, Collor com seu desastre, Itamar, FHC, LULA e
chega aos aos dias atuais. Os Militares de Hoje, silentes, que não
são os responsáveis pelas desgraças que vivemos agora, mas sempre
aguardando a voz do Povo. Não houve no passado, nem há, nos dias de
hoje, nenhum militar metido em roubo, compra de voto, CPI, dólar em
cueca, mensalões ou mensalinhos. Não há nenhum Delúbio, Zé Dirceu,
José Genoíno, e que tais. O que já se ouve, o que se escuta é o povo
dizendo: SÓ OS MILITARES PODERÃO SALVAR A NAÇÃO. Pois àquela época
da “ditadura” era que se era feliz e não se sabia…Mas os Militares
de Hoje, como os de Ontem, não querem ditadura, pois são formados
democratas. E irão garantir a Lei e a Ordem, sempre que preciso.

Os militares não irão às ruas sem o povo ao seu lado. OS MILITARES
DE HOJE SÃO OS MESMOS QUE OS MILITARES DE ONTEM. A nossa
>  desgraça é que políticos de hoje (olhe os PICARETAS do Lula!) –
as  exceções justificando a regra – são ainda piores do que os de
ontem. São sem ética e sem moral, mas também despudorados. E o
Brasil sofrendo, não por conta dos MILITARES, mas de ALGUNS
POLÍTICOS – uma
corja de canalhas, que rasgam as leis e criam as desordens.

Como sei que a senhora é uma democrata, espero que publique esta
carta no local onde a senhora escreve os seus artigos, que os leio
atenta e religiosamente, como se fossem uma Bíblia. Perfeitos no
campo econômico, mas não muitos católicos ou evangélicos no campo
político por uma razão muito simples: quando parece que a senhora
tem o vírus de uma reacionária de esquerda.

Atenciosa e respeitosamente,

GENERAL DE DIVISÃO REFORMADO DO EXÉRCITO
FRANCISCO BATISTA TORRES DE MELO.

(Um militar de ontem, que respeita os militares de hoje, que pugnam  pela Lei e a Ordem).


A linkania e o Religare

25 março 2009 1,237 views One Comment

boy Uma é palavra do futuro. Outra é palavra do passado. E quero aqui falar do presente. Linkando-as e religando-as.

Pretensamente, acho que ninguém obteve até agora ao menos uma turva noção do que a modernidade e a tecnologia representam para o que chamo de mundo novo. E humildemente percebo que não serei eu que terei essa noção. Quero aqui contribuir para o caldo sináptico de teorias. E fazer convites. Um convite para a ação e outro para a conexão.

Antes de explicar o que é linkania – e assim mantenho o suspense e o interesse no artigo :) – quero explicar que alguns erros estão sendo cometidos pelos pensadores (aqui meu lado pretensão) ao mesmo tempo que a humanidade ri, as pessoas comuns não se preocupam com isso, continuam vivendo e gerando as variáveis que estabelecerão o novo paradigma. O tal do mundo novo.

Acho impertinente a visão pequena que associa a internet a um pequeno grupo de pessoas. Porque pra mim internet é rede. Rede é link. E os pobres fazem links há muito mais tempo que nós, os tais conectados. E parece que estamos agora podendo perceber isso, numa espécie de retomada da espontaneidade da solidariedade. É como voltar ao paraíso. É como deixar o inferno da “coisificação”. Ficamos muito tempo deslumbrados com a máquina enquanto que o humano era algo obsoleto. Sou um otimista que enxerga o mundo novo como a volta à conversa, ao link. A possibilidade nunca foi tão presente.

Temos o maior projeto cooperativo da história da humanidade, o linux. Temos uma retomada da conversa despretensiosa, não corporativa, descompromissada e não hierárquica, através dos chats, dos blogs, das listas. E temos os encontros em carne e osso, vitais e reais, que impedem os críticos de propor a falsa rotulagem de que os internautas são seres solitários. (Eles são, isso sim, soliDários…). Temos as iniciativas valiosas da internet nas favelas, nas escolas, nos postos públicos. Temos o mundo corporativo já conectado, onde o office boy não fica mais na fila do banco (ou finge que fica, passa as contas pra secretária pagar pelo bank line e vai jogar fliperama…)

“O computador conectado será em breve (e já é para muitos de nós) uma extensão tecno-natural de nossas mentes e corpo, assim como o carro é há muitas décadas uma extensão tecno-natural de nossas pernas”. (isso é copyleft do marioav)

E então o que falta ? Falta pouco. Falta tempo. Falta só que alguns velhos morram, outros se aposentem e que esta geração jovem já conectada cresça, tome seus lugares nas empresas, nos governos e nas ONGs. Só isso. A nós que estamos vivendo no limbo, no gap desta revolução, só nos resta desfrutar deste mágico momento da incerteza, do caminho nebuloso. Eu estou curtindo viver isso. Esses momentos de tensão e distensão. É como um parto. Sabemos que o mundo novo nascerá saudável, mas essa expectativa/gravidez é uma mistura de aflição com entusiasmo … Ops. Já ia esquecendo de explicar o que é linkania e religare (grávido é assim, está sempre nas nuvens)

Linkania (copyleft meu) é termo do futuro. É que ando cansado do discurso vazio da tal cidadania. Vazio porque não diz quase nada, mas fica bonito dizer. Cidadania, na essência, está vinculado (linkado?) a direitos e deveres. E ao invés de falarmos e exercemos plenamente isso, discutir, ensinar, propagar, falamos na vaga terminologia da cidadania. Os miseráveis escutam e dão de ombros. Os ricos falam e se sentem cidadãos. Se todos soubéssemos quais são nossos direitos e quais são nossos deveres, metade dos problemas (eu diria que mais, mas serei aqui cauteloso) estariam resolvidos. Mas cidadania é mais pomposo. Pega bem. E aí veio o insight : cidadania vem de cidadão, vem de cidade. Mas estamos tão desterritorializados nesta teia que a cidade perde o sentido pra mim, sabe ?

Os ecologistas geração-68 nos trouxeram frase ótima : Pense globalmente e aja localmente. De um lado a globalização, (que sou favorável, porque não é só econômica, aliás essa é a parte que menos me interessa). Do outro lado, o local, a associação comunitária de bairro, que promove cursos, ensina capoeira, tem creche… Ah ! Você não conhece ? Mas os pobres sim. Tua empregada conhece. É que eles estão conectados, sabe ? Estão linkados uns com os outros. Aprenderam faz muito tempo.

Então linkania é isso. É a cidadania sem cidades. É desterritorializado. A ação se dá localmente, mas a conexão é global. É o link do amigo, do vizinho. É a dica. É o negócio entre duas empresas de 2 continentes diferentes. É a ajuda que teu primo te dá desde Madri por email. É a discussão que circula na lista pra visitar tal exposição, e o link pra exposição, que imprimem e colocam no mural da creche. Tudo isso é link. É a matéria que um blogueiro comenta e que te faz pensar. É a descoberta valiosa do desempregado que vai a um infocentro e se cadastra em um programa de governo que lhe dará um emprego. E foi o vizinho que disse. Deu a dica, o link. E aí, pouco a pouco, vamos descobrindo quais são nossos direitos, porque a informação é pública . E vamos percebendo quais são nossos deveres, porque quem está em volta sugere e a gente concorda. E é assim mesmo, meio caótico, desestruturado. De acordo com o interesse de cada um e na disponibilidade que o sujeito tem em linkar e ser linkado. Em receber e repassar informação. Os herméticos irão perdendo terreno, ou se linkarão a outros herméticos e então tudo bem. Os velhos irão perdendo o terreno. Ou se linkarão com outros velhos, só por prazer. Tudo isso está fluindo e para que mude o paradigma falta pouco. É uma revolução silenciosa e divertida. E é sub-corporativa, deliciosamente caótica, enredada, sináptica, não linear, não metódica.

Percebe que falei todo o tempo de internet e não falei de grana ? É que a internet e não lucrativa, sabe ? Eu não estou falando dos cabos, das máquinas, das bases de dados, isso é “coisificação”. Eu estou falando das relações entre humanos. As conversas. Os icqs. É obvio que alguns humanos podem se linkar pra fazer negócios na rede. Mas podem também se linkar pra jogar conversa fora. Em ambos os casos estão conversando percebe ? Cluetrain , saca ?

E ainda não falei em religare mas acho que você já percebeu, não é ? Enquanto linkania é palavra do futuro, religare é palavra do passado. É de onde se originou a palavra religião. Mas acho religare mais bonito. Muito mais bonito. Porque não implica credos, rituais ou instituições. Não implica fiéis e infiéis. Implica basicamente re-conectar-se. Com a vida, com o mundo, com o todo. E com seu vizinho.

Religare está ocorrendo pra nós, que temos internet, somos “incluídos digitalmente”, estamos em bunkers em nossas cidades, exercemos ou não uma pretensa cidadania. Estamos na fase “RE” do re-ligare. A miséria esteve sempre no “ligare”. Foi sempre a única saída. Entre eles próprios, a fraternidade ocorreu por sobrevivência e com naturalidade. Por isso continuam vivos, porque se ajudam. Nós não os ajudamos desde quando nos desconectamos deles, quando os “coisificamos”. E o que falta então ? Tempo. O tempo da nova geração conectada crescer enquanto os filhos dos pobres crescem conectados em suas escolas e associações de bairro. Na rede sem hierarquias e descompromissada, coisas acontecerão.

Cabe a nós conectados o religare. O link que os pobres já exercem entre si. É nessa imensa brincadeira cooperativa onde nos linkamos pela web pra enviar um texto, pra marcar um chopp, que está ocorrendo o caldo, a gênese desse mundo novo. Cabe a nós o link. Quero falar com muitas pessoas. Aprender delas e ensinar pra elas. Numa troca. A idéia do João me dá o insight, que passo pra Maria, que repassa e que o Pedro transforma em ação, que dá uma idéia pro Caio…

Falei no começo que faria dois convites. E você pode escolher. Ambos são muito valiosos. Se você se conectar, já estará contribuindo para o caos sináptico. O caldo ficará mais engrossado e isso é ótimo (e os Pedros e Marias agradecerão). Se você quer agir, siga em frente. Só não seja hermético. Nós perderemos com isso. A tua ação, se não tiver link com nada a não ser com você mesmo, não engrossará o caldo. E aí não dá liga. Agindo linkado, o universo conspirará a seu favor. Parece papo de religião, não é ? Não. Não é. É religare. E linkania.

Marcelo Estraviz é copyleft

Tudo que escrevo pode ser copiado, editado, trans-substanciado e abduzido. Todas as fotos deste site são free, provenientes daqui: http://www.sxc.hu Tudo que é sólido se desmancha no ar ou se espatifa no chão, como as jacas. Marcelo Estraviz é facinho. É casado com Elisa. É pai babão de Luisa. Torce para o Jabaquara. Acredita em ateus. Marcelo Estraviz é um profissional. É um artesão. Marcelo Estraviz não pode ser vendido separadamente. “marcelo estraviz é tipuri.”


SOBRE A TORTURA

VALE A PENA ASSISTIR


A blogueira Yoani e suas contradições

Frei Betto

O mundo soube que, a 7 de novembro último, a blogueira cubana Yoani Sánchez teria sido golpeada nas ruas de Havana. Segundo relato dela, “jogaram-me dentro de um carro… arranquei um papel que um deles levava e o levei à boca. Fui golpeada para devolver o documento. Dentro do carro estava Orlando (marido dela), imobilizado por uma chave de karatê… Golpearam-me nos rins e na cabeça para que eu devolvesse o papel… Nos largaram na rua… Uma mulher se aproximou: “O que aconteceu?” “Um sequestro”, respondi.

(www.desdecuba.com/generaciony)

Três dias depois do ocorrido nas ruas da Havana, Yoani Sánchez recebeu em sua casa a imprensa estrangeira. Fernando Ravsberg, da BBC, notou que, apesar de todas as torturas descritas por ela, “não havia hematomas, marcas ou cicatrizes” (BBC Mundo, 9/11/2009). O que foi confirmado pelas imagens da CNN. A France Press divulgou que ela “não foi ferida.”

Na entrevista à BBC, Yoani Sánchez declarou que as marcas e hematomas haviam desaparecido (em apenas 48 horas), exceto as das nádegas, “que lamentavelmente não posso mostrar”. Ora, por que, no mesmo dia do suposto sequestro, não mostrou por seu blog, repleto de fotos, as que afirmou ter em outras partes do corpo?

Havia divulgado que a agressão ocorreu à luz do dia, diante de um ponto de ônibus “cheio de gente.” Os correspondentes estrangeiros em Cuba não encontraram até hoje uma única testemunha. E o marido dela se recusou a falar à imprensa.

O suposto ataque à blogueira cubana mereceu mais destaque na mídia que uma centena de assassinatos, desaparecimentos e atos de violência da ditadura hondurenha de Roberto Micheletti, desde 27 de junho.

Yoani Sánchez nasceu em 1975, formou-se em filologia em 2000 e, dois anos depois, “diante do desencanto e a asfixia econômica em Cuba”, como registra no blog, mudou-se para a Suíça em companhia do filho Téo. Ali trabalhou em editoras e deu aulas de espanhol.

Em 2004, abandonou o paraíso suíço para retornar a Cuba, que qualifica de “imensa prisão com muros ideológicos”. Afirma que o fez por motivos familiares. Quem lê o blog fica estarrecido com o inferno cubano descrito por ela. Apesar disso, voltou.

Não poderia ter assegurado um futuro melhor ao filho na Suíça? Por que regressou contra a vontade da mãe? “Minha mãe se recusou a admitir que sua filha já não vivia na Suíça de leite e chocolate” (blog dela, 14/08/2007).

Na verdade, o caso de Yoani Sánchez não é isolado. Inúmeros cubanos exilados retornam ao país após se defrontarem com as dificuldades de adaptação ao estrangeiro, os preconceitos contra mulatos e negros, a barreira do idioma, a falta de empregos. Sabem que, apesar das dificuldades pelas quais o país atravessa, em Cuba haverão de ter casa, comida, educação e atenção médica gratuitas, e segurança, pois os índices de criminalidade ali são ínfimos comparados ao resto da América Latina.

O que Yoani Sánchez não revela em seu blog é que, na Suíça, implorou aos diplomatas cubanos o direito de retornar, pois não encontrara trabalho estável. E sabe que em Cuba ela pode dedicar tempo integral ao blog, pois é dos raros países do mundo em que desempregado não passa fome nem mora ao relento…

O curioso é que ela jamais exibiu em seu blog as crianças de rua que perambulam por Havana, os mendigos jogados nas calçadas, as famílias miseráveis debaixo dos viadutos… Nem ela nem os correspondentes estrangeiros, e nem mesmo os turistas que visitam a Ilha. Porque lá não existem.

Se há tanta falta de liberdade em Cuba, como Yoani Sánchez consegue, lá de dentro, emitir tamanhas críticas? Não se diz que em Cuba tudo é controlado, inclusive o acesso à internet?

Detalhe: o nicho Generación Y de Sánchez é altamente sofisticado, com entradas para Facebook e Twitter. Recebe 14 milhões de visitas por mês e está disponível em 18 idiomas! Nem o Departamento de Estado do EUA dispõe de tanta variedade linguística. Quem paga os tradutores no exterior? Quem financia o alto custo do fluxo de 14 milhões de acessos?

Yoani Sánchez tem todo o direito de criticar Cuba e o governo do seu país. Mas só os ingênuos acreditam que se trata de uma simples blogueira. Nem sequer é vítima da segurança ou da Justiça cubanas. Por isso, inventou a história das agressões. Insiste para que suas mentiras se tornem realidades.

A resistência de Cuba ao bloqueio usamericano, à queda da União Soviética, ao boicote de parte da mídia ocidental, incomoda, e muito. Sobretudo quando se sabe que voluntários cubanos estão em mais de 70 países atuando, sobretudo, como médicos e professores.

O capitalismo, que exclui 4 bilhões de seres humanos de seus benefícios básicos, não é mesmo capaz de suportar o fato de 11 milhões de habitantes de um país pobre viverem com dignidade e se sentirem espelhados no saudável e alegre Buena Vista Social Club.

Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros.

Publicado em…

http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia/noticia.asp?cod_noticia=13867&cod_canal=53


EDUARDO GALEANO

Estamos tentando recuperar nossa própria voz

Por Fania Rodrigues

Um dos mais respeitados escritores e intelectuais da América Latina, Eduardo Hughes Galeano recebeu a Caros Amigos numa tarde de segunda-feira, no Café Brasilero, em Montevidéu. Aos 69 anos fala, em fluente português, sobre sua literatura, o amor pelos cafés e, claro, sobre política. Uruguaio de nascimento (1940), latino-americano por devoção e cidadão do mundo por paixão, quando criança, sonhava em ser jogador de futebol. “Era uma maravilha jogando, mas só de noite, enquanto dormia”. Melhor assim. Os campos de futebol não perderam nada, porém a literatura ganhou um verdadeiro artesão das palavras. Suas obras combinam elementos da literatura, sensibilidade e observação jornalística, que estão sempre em função de suas paixões. Autor de mais de trinta livros, dezenas de crônicas e artigos, Galeano também é um exímio defensor do socialismo, dos direitos e da dignidade humana. Entre seus livros, pode se destacar “As veias abertas da América Latina”, a trilogia” Memória do Fogo”, “Livro dos Abraços” e o último, “Espelhos” – uma história quase universal, lançado em 2008, em que o autor reescreve, a partir de um outro ponto de vista, episódios que a história oficial camuflou. Galeano “remexe no lixão da história mundial” para dar voz aos “náufragos e humilhados”.

Caros Amigos – Você nasceu em Montevidéu? Gostaria que falasse um pouco da sua infância?

Eduardo Galeano – Sim, nasci em Montevidéu. Minha infância? Eu nem lembro, já faz tanto tempo… Mas acho que foi bastante livre. Eu morava em um bairro quase no limite da Montevidéu, onde havia grandes edifícios. Então tinha espaço verde. Sinto pena das coitadas das criancinhas que vejo agora, prisioneiras na varanda de casa. Meninos ricos são tratados como se fossem dinheiro, meninos pobres são tratados como se fossem lixo. Muitos, pobres e ricos, viram prisioneiros, atados aos computadores, à televisão ou a alguma outra máquina. Mas eu tive uma infância muito livre. Fiz a escola primária, secundária, depois comecei a trabalhar por minha conta. Então, com 15 anos, já era completamente livre.

Em que trabalhou?

Fiz de tudo o que você possa imaginar. Fui desenhista (adoro desenhar até hoje), taquígrafo, mensageiro, funcionário de banco, trabalhei em agência de publicidade, cobrador… Fiz milhares de coisas, mas, sobretudo, comecei a aprender o ofício de contar história. Eu era um cuenta cuentos (conta contos). E aprendi a fazer isso nos cafés, como esse onde a gente está agora falando, que leva o honroso nome de Brasilero.

O mais tradicional dos cafés uruguaios se chama Brasilero!

E esse é último sobrevivente, o último dos moicanos dos cafés nos quais eu fui formado. Minha universidade foram os cafés de Montevidéu, foi aqui que aprendi a arte de narrar, a arte de contar histórias.

Conversando com as pessoas?

Escutando. Conversando sim, mas aprendi muito mais escutando. Desde muito menino aprendi que, por alguma razão, nascemos com dois ouvidos e uma única boca. Mas esses cafés típicos de Montevidéu pertenciam a uma época que não existem mais. Pertenciam a um tempo no qual havia tempo para perder o tempo.

Como foi sair do Uruguai, na época da ditadura (1973-1984)?

Quando a ditadura se instalou, eu corri para a Argentina, em 1973. Lá fundei uma revista cultural chamada Crisis. Depois fui obrigado a voar de novo. Não podia voltar para o Uruguai, porque não queria ficar preso, e fui obrigado a sair da Argentina porque não queria ser morto. A morte é uma coisa muito chata. Então fiquei na Argentina até o final de 1976, quando se instala a Ditadura argentina. Aí fui para a Espanha, onde fiquei até o final de 1985. Depois disso voltei para o Uruguai. No começo, minha situação em Barcelona foi muito complicada. Eu não tinha documentos, pois a Ditadura uruguaia se recusava a fornecer. O que possuía era um documento de salvo conduto das Nações Unidas, que não servia para muita coisa. Eu tinha que ir todo mês à polícia renovar o meu visto de permanência e passava o dia inteiro preenchendo formulários de perguntas. Então, um dia, onde dizia profissão, coloquei escritor, entre aspas, de formulários. Mas ninguém percebeu. A polícia achou normal ser escritor de formulários!

Havia duas listas das ditaduras do Cone Sul. Uma, com os nomes das pessoas que estavam marcadas para morrer e outra para a extradição. Em qual você estava?

Nas duas.

Na época da ditadura, muitas pessoas, assim como você, ficaram sem documentos, não podiam sair do país e foram mortas a tiro ou envenenadas…

Eu tive sorte. Não me lembro de ter sido envenenado, nem mesmo pelos críticos literários. Claro que sofri muitas ameaças, mas não vou fazer aqui uma apologia do mártir, do herói da revolução. Mas claro que a vida não era fácil, sobretudo por que a situação dessa revista que fundei na Argentina era difícil, pois chegava muito além das fronteiras tradicionais das revistas culturais. Nós vendíamos entre 30 e 35 mil exemplares. Isso, para uma revista cultural, era uma prova de resistência. Nós pensávamos em fazer era um resgate das mil e uma formas de expressão da sociedade. Não apenas dos profissionais da cultura, mas também das cartas dos presos, da cultura contada pelos operários das fábricas, que raramente viam a luz o sol. Esse tipo de coisa que para nós também era cultura.

O livro As Veias abertas da América Latina foi escrito na década de 1970. Hoje, é possível escrever um novo Veias Abertas?

Para mim esse livro foi um porto de partida, não de chegada. Foi o começo de algo, de muitos anos de vida literária e jornalística tentando redescobrir a realidade, tentando ver o não visto e contar o não contado. Depois de Veias escrevi muitos livros que foram continuações, de um certo modo, e uma tentativa de cavar, cada vez mais profundamente, a realidade. Isso com o objeto de ampliar um pouco as ideias, porque Veias é um livro limitado à economia política latino-americana. Os livros seguintes têm que ser lidos com a vida toda, nas suas múltiplas expressões, sem dar muita bola nem ao mapa, nem ao tempo. Se eu fico apaixonado por uma história, me ponho a contar histórias de qualquer lugar do mundo e de qualquer tempo. Conto a história da história, que podem ter acontecido há 2 mil anos e tento escrever de tal modo que aconteçam de nov o, na hora em que são contadas. Aí está o verdadeiro ofício de contar, que aprendi nos cafés de Montevidéu, que inclusive permite a você escutar o som das patas dos cavalos, sentir o cheiro da chuva…

Pode-se dizer que hoje existe uma demanda por governos de esquerda na América Latina? Em sua opinião, esses governos têm contribuído para diminuir a pobreza e a desigualdade social nesses países?

O que existe é um panorama muito complexo e diverso de realidades diferentes. Também vemos respostas sociais e políticas diversas. Isso é o que nossa região do mundo tem de melhor: sua diversidade. Esse encontro de cores, de dores tão diferentes, é a nossa riqueza maior. Os novos movimentos, como esses, que estão brotando por toda parte, que tentam oferecer uma resposta diferente às desigualdades sociais, contra os maus costumes da humilhação e o fatalismo tradicional, também são respostas diversas porque expressam realidades diferentes. Não se pode generalizar. O que existe sim é uma energia de mudança. Uma energia popular que gera diversas realidades, não só política, mas realidades de todo tipo, tentando encontrar respostas, depois de vários séculos de experiências não muito brilhantes em matéria de independência. Agora estamos comemorando, em quase todos os países, o bicentenário de uma independência que ainda é uma tarefa por fazer.

O que falta para a América Latina ser completamente independente?

Romper com o velho hábito da obediência. Em vez de obedecer à história, inventá-la. Ser capaz de imaginar o futuro e não simplesmente aceitá-lo. Para isso é preciso revoltar-se contra a horrenda herança imperial, romper com essa cultura de impotência que diz que você é incapaz de fazer, por isso tem que comprar feito, que diz que você é incapaz de mudar, que aquele que nasceu, como nasceu vai morrer. Porque dessa forma não temos nenhuma possibilidade de inventar a vida. A cultura da impotência te ensina a não vencer com sua própria cabeça, a não caminhar com suas próprias pernas e a não sentir com seu próprio coração. Eu penso que é imprescindível vencer isso para poder gerar uma nova realidade.

A América Latina copiou um modelo de desenvolvimento que não foi feito para ela. É possível inventar um modelo próprio de desenvolvimento?

Não vou entrar em detalhes porque se fosse falar da quantidade de cópias erradas seria uma lista infinita. O desafio é pensar no que queremos ser: originais ou cópias? Uma voz ou eco? Agora estamos tentando recuperar nossa própria voz, em diferentes países, de diversas maneiras.

A implantação das bases dos Estados Unidos na Colômbia fere a dignidade do povo latinoamericano e compromete a independência e a liberdade da América do Sul?

Sim. É a continuação de uma tradição humilhante. Também há o perigo da intervenção direta dos Estados Unidos nos países latino-americanos. Meu mestre, Ambroce Bierce, um escritor norte-americano maravilhoso, quando se iniciou a expansão imperial dos Estados Unidos, no século 19, dizia que a guerra é um presente divino enviada por Deus para ensinar geografia. Porque assim eles (estadunidenses) Aprendiam geografia. E é verdade. Os EUA têm uma tradição de invadir países sem saber onde estão localizados e como são esses países. Tenho até a suspeita de que (George W.) Bush achasse que as Escrituras tinham sido inventadas no Texas e não no Iraque, país que ele exterminou. Então, esse perigo militar latente é muito concreto. Atualmente os EUA possuem 850 bases militares em quarenta países. A metade do gasto militar mundial corresponde a os gastos de guerras dos EUA. Esse é um país em que o orçamento militar se chama orçamento de defesa por motivos, para mim, misteriosos e inexplicáveis. Porque a última invasão sofrida pelos EUA foi em 1812 e já faz quase dois séculos. O ministério se chama de defesa, mas é de guerra, mas como que se chama de defesa? O que tem a ver com a defesa? A mesma coisa se aplica às bases na Colômbia, que também são “defensivas”. Todas as guerras dizem ser “defensivas”. Nenhuma guerra tem a honestidade de dizer “eu mato para roubar”. Nenhuma, na história da humanidade. Hitler invadiu a Polônia porque, segundo ele, a Polônia iria invadir a Alemanha. Os pretextos invocados para a instalação dessa base dos EUA na Colômbia não são só ofensivas contra a dignidade nacional dos nossos países, como também ofensivas contra a inteligência humana. Por que dizer que serão colocadas lá para combater o tráfico de drogas e o terrorismo? Tráfico de drogas, m uito bem… 80% da heroína que se consome no mundo inteiro vem do Afeganistão. 80%! Afeganistão é um país ocupado pelos EUA. Segundo a legislação internacional, os países ocupantes têm a responsabilidade sobre o que acontece nos países ocupados. Se os EUA têm interesse de verdade de lutar contra o narcotráfico, têm que começar pela própria casa, não pela Colômbia e sim pelo Afeganistão, que faz parte da sua estrutura de poder, e que é o grande abastecedor de heroína, a pior das drogas. O outro pretexto invocado é o terrorismo. Mas não é sério. Não é sério, por favor. A grande fábrica do terrorismo é essa potência mundial que invade países, gera desespero, ódio, angústia. Sabe quem esteve sessenta anos na lista oficial dos terroristas dos EUA? Nelson Mandela, Prêmio Nobel, presidente da África do Sul. Cada vez que viajava aos EUA, ele precisa de um visto especial do presidente dos Estados Unidos, porque era considerado um terrorista perigoso durante sessenta anos. Até 2008. É desse terrorismo que estão falando? Imagina se eu fosse incorporado agora na lista dos terroristas dos EUA e tivesse que esperar sessenta anos para ser tirado. Acho que daqui a sessenta anos vou estar um poquitito mortito.

Fania Rodrigues é jornalista

Para ler a entrevista completa e outras reportagens confira a edição de novembro da revista Caros Amigos, já nas bancas, ou clique aqui e compre a versão digital da Caros Amigos.

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A “função social do crime” em terrae brasilis

Por Lenio Luiz Streck

Há um filme sobre uma peça de teatro que pretende contar a Revolução Francesa. Na primeira cena, o Rei e a Rainha fogem da França e são recapturados na fronteira. Alguém reclama, dizendo que a Revolução deve ser contada de outro modo. Na nova cena, aparece uma bacia com água quente, uma camponesa pronta para dar à luz e a parteira. Na sequência, entra um aristocrata, que voltava da caçada. Vendo aquela água límpida lava as suas botas sujas na bacia destinada ao parto. Desdém, deboche e desprezo. Pronto: é assim que se conta a origem da Revolução. Assim se resgata a capacidade de indignação.

Pois vendo o projeto de lei federal, que pretende conceder anistia a quem tenha remetido dinheiro ao exterior de forma ilegal (criminosa), penso no despudor do caçador aristocrata. O que mais falta fazer em terrae brasilis? Que somos pré-modernos, Raimundo Faoro já de há muito comprovara, mostrando como ainda somos governados por estamentos. Weberiamente, ele explicou as raízes do nosso amor ao nepotismo e ao patrimonialismo.

Bilhões de dólares foram sonegados, lavados e remetidos à socapa e à sorrelfa ao exterior. É tanto dinheiro para retornar, que já se teme uma queda no câmbio (o que é ruim para as exportações). O que não está dito é que a pesada máquina pública se mostrou ineficiente para punir os criminosos (afinal, la ley es como la serpiente; solo pica a los descalzos…, e, é claro, as leis desfuncionais colaboraram para esse mau resultado). Então, qual é a solução? Ora, vamos anistiar os criminosos do colarinho branco; e, na sequência, um bom discurso para criarmos mais cargos públicos para o combate à sonegação e à evasão de divisas; e, na sequência, outra anistia…! Lembremos sempre do Dr. Pangloss, do Cândido (Voltaire): vivemos no melhor dos mundos.

Na verdade, somos bons nisso. De há muito perseguimos com êxito ladrões de galinha e de sabonetes, mas não somos tão bons para “pegar” sonegadores e lavadores de dinheiro. Por todos, lembremos do “grande” Marcos Valério, que, recentemente, mesmo já condenado à prisão, pagou o valor sonegado e teve extinta a sua punibilidade (a seu favor, a bondosa Lei 10.684 e uma generosa interpretação dada ao artigo 9º.). Se não fosse trágico, seria engraçado, porque, ao mesmo tempo, milhares de ladrões (sic) continuam encarcerados (lembremos que temos mais de trezentos mil presos no Brasil por crimes contra o patrimônio individual e pouquíssimos por crimes de sonegação ou evasão de divisas).

Veja-se: pelo projeto “anistiador”, que já passou no Senado (que surpresa!), basta que o “cidadão” declare o valor que remeteu ao exterior, pague o imposto de 6% e estará anistiado. Portanto, vale a pena remeter dinheiro ilegal para o exterior, pois não? Ou seja: o crime compensa. E, atenção: o sigilo será preservado (ainda bem… imagine-se que o povo saiba o nome dessas pessoas…!) ! É a função social do crime! Já imagino adesivos em automóveis (de valor acima de U$ 200 mil, é claro) do tipo: tenho consciência social: trouxe meu dinheiro de volta! De minha parte, já aviso que, com base no princípio da igualdade, passarei a propor, em todos os processos criminais da “patuléia”, anistia a todos aqueles que devolverem o valor furtado, apropriado indevidamente, etc. Afinal, se vale para o “estamenteiros”, por que não estend er a benesse à turma res-do-chão?

De todo modo, há uma boa notícia: acaso aprovada a anistia, cabe a declaração de sua inconstitucionalidade (tenho a convicção de que há juízes nas “Berlins” de terrae brasilis). Assim como já propus várias vezes (embora derrotado) em relação à benesse dada aos sonegadores (pagamento em troca da extinção do crime), penso que esse tipo de anistia é absolutamente inconstitucional, porque fere o princípio da proibição de proteção insuficiente (Untermassverbot) e à isonomia (é claro que a extinção da punibilidade de que trata a Lei 10.684 não é uma “anistia”; o que estou a tratar é de tratamentos equânimes na República!). Parece evidente que o Estado não pode discriminar na descriminalização… (ou o nome que se dê a essa extinção de punibilidade)!

Em suma: permitamos que todos se locupletem ou restauremos a moralidade, já se disse um dia. Talvez esteja faltando o que Mario Benedetti cobrava dos uruguaios no livro “A Trégua”: um autoenojamento. Ou estoquemos comida! Logo.

Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça do Rio Grande do Sul, professor de Direito Constitucional e presidente de honra do Instituto de Hermenêutica Jurídica.


http://www.conjur.com.br/2009-out-11/extincao-punibilidade-funcao-social-crime-terrae-brasilis