Arquivo do mês: julho 2007

O MITO DA CAVERNA

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Imaginemos uma caverna separada do mundo externo por um alto muro. Entre o muro e o chão da caverna há uma fresta por onde passa um fino feixe de luz exterior, deixando a caverna na obscuridade quase completa. Desde o nascimento, geração após geração, seres humanos encontram-se ali, de costas para a entrada, acorrentados sem poder mover a cabeça nem locomover-se, forçados a olhar apenas a parede do fundo, vivendo sem nunca ter visto o mundo exterior nem a luz do Sol, sem jamais ter efetivamente visto uns aos outros nem a si mesmos, mas apenas sombras dos outros e de si mesmos porque estão no escuro e imobilizados. Abaixo do muro, do lado de dentro da caverna, há um fogo que ilumina vagamente o interior sombrio e faz com que as coisas que se passam do lado de fora sejam pro­jetadas como sombras nas paredes do fundo da caver­na. Do lado de fora, pessoas passam conversando e car­regando nos ombros figuras ou imagens de homens, mulheres e animais cujas sombras também são projeta­das na parede da caverna, como num teatro de fanto­ches. Os prisioneiros julgam que as sombras de coisas e pessoas, os sons de suas falas e as imagens que trans­portam nos ombros são as próprias coisas externas, e que os artefatos projetados são seres vivos que se movem e falam.Os prisioneiros se comunicam, dando nome às coisas que julgam ver (sem vê-Ias realmente, pois estão na obs­curidade) e imaginam que o que escutam, e que não sabem que são sons vindos de fora, são as vozes das pró­prias sombras e não dos homens cujas imagens estão projetadas na parede; também imaginam que os sons produzidos pelos artefatos que esses homens carregam nos ombros são vozes de seres reais.Qual é, pois. a situação dessas pessoas aprisionadas? Tomam sombras por realidade, tanto as sombras das coi­sas e dos homens exteriores como as sombras dos artefa­tos fabricados por eles. Essa confusão, porém, não tem co­mo causa a natureza dos prisioneiros e sim as condições adversas em que se encontram. Que aconteceria se fossem libertados dessa condição de miséria?Um dos prisioneiros, inconformado com a condição em que se encontra, decide abandoná-Ia. Fabrica um instru­mento com o qual quebra os grilhões. De início, move a ca­beça, depois o corpo todo; a seguir, avança na direção do muro e o escala. Enfrentando os obstáculos de um cami­nho íngreme e difícil, sai da caverna. No primeiro instante, fica totalmente cego pela luminosidade do Sol, com a qual seus olhos não estão acostumados. Enche-se de dor por causa dos movimentos que seu corpo realiza pela primei­ra vez e pelo ofuscamento de seus olhos sob a luz externa, muito mais forte do que o fraco brilho do fogo que havia no interior da caverna. Sente-se dividido entre a incredulidade e o deslumbramento. Incredulidade porque será obri­gado a decidir onde encontra a realidade: no que ago­ra ou nas sombras em que sempre viveu. Deslumbramento (literalmente: ferido pela luz) porque seus olhos não con­seguem ver com nitidez as coisas iluminadas. Seu primei­ro impulso é o de retornar à caverna para livrar-se da dor e do espanto, atraído pela escuridão, que lhe parece mais acolhedora. Além disso, precisa aprender a ver e esse aprendizado é doloroso, fazendo-o desejar a caverna on­de tudo lhe é familiar e conhecido.Sentindo-se sem disposição para regressar à caverna por causa da rudeza do caminho, o prisioneiro permanece no exterior. Aos poucos, habitua-se à luz e começa a ver o mundo. Encanta-se, tem a felicidade de finalmente ver as próprias coisas, descobrindo que estivera prisioneiro a vi­da toda e que em sua prisão vira apenas sombras. Dora­vante, desejará ficar longe da caverna para sempre e luta­rá com todas as suas forças para jamais regressar a ela. No entanto, não pode evitar lastimar a sorte dos outros prisioneiros e, por fim, toma a difícil decisão de regressar ao subterrâneo sombrio para contar aos demais o que viu e con­vencê-los a se libertarem também.Que lhe acontece nesse retorno? Os demais prisioneiros zombam dele, não acreditando em suas palavras e, se não conseguem silenciá-lo com suas caçoadas, tentam faze-lo espancando-o. Se mesmo assim ele teima em afirmar o que viu e os convida a sair da caverna, certamente aca­bam por matá-lo. Mas, quem sabe alguns podem ouvi-lo e, contra a vontade dos demais, também decidir sair da caverna rumo à realidade. O que é a caverna? O mundo de aparências em que vi­vemos. Que são as sombras projetadas no fundo? As coi­sas que percebemos. Que são os grilhões e as correntes? Nossos preconceitos e opiniões, nossa crença de que o que estamos percebendo é a realidade. Quem é o prisioneiro que se liberta e sai da caverna? O filósofo. O que é a luz do Sol? A luz da verdade. O quê é o mundo iluminado pelo sol da verdade? A realidade. Qual o instrumento que liberta o prisioneiro rebelde e com o qual ele deseja libertar os ou­tros prisioneiros? A Filosofia.
(Marilena Chaui – Convite a Filosofia

O mito da caverna é uma das famosas parábolas escritas por Platão. A idéia consiste em pessoas que vivem numa caverna e acreditam que o mundo real é aquilo que aparece na parede: sombras formadas pela luz que entra pela única fresta existente. As pessoas lutam contra qualquer um que diga o contrário.

Abaixo uma história em quadrinhos do Piteco , personagem de Maurício de Souza, que capta perfeitamente a essência do que Platão queria dizer.

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DIÁLOGOS TEMÁTICOS

EM 1 DE SETEMBRO

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QUANDO A BARBARIE SAI DO GUETO

PAULO SÉRGIO PINHEIRO e MARCELO DAHER
É nos guetos que ocorre a maior parte dos crimes violentos. Quase sempre encontram o silêncio e a indiferença como respostas A BALBÚRDIA em torno da necessidade do rebaixamento da idade de responsabilidade penal e da revisão do tratamento dado aos adolescentes infratores não é novidade no Brasil. A busca da solução mágica na forma da lei e do discurso duro pedindo justiça tem sido a regra dos debates que sucedem crimes bárbaros, especialmente se cometidos fora dos guetos. Basta ver o Datafolha do último domingo, que mostra crescimento do apoio à pena de morte: 55% da população é a favor da medida. O maior percentual de apoio (64%) está entre os que têm rendimento familiar superior a dez salários mínimos mensais. E, no entanto, é nos guetos -favelas e bairros das periferias das metrópoles onde estão segregados os afrodescedentes e os pobres- que ocorre a maior parte dos crimes violentos e neles prevalecem as maiores taxas de homicídios de adolescentes e de jovens no mundo. Quase sempre essa violência encontra o silêncio e a indiferença como respostas. Quando uma barbaridade se abate sobre uma vítima fora dos guetos, porém, o choque de realidade segue implacável rotina. Após uma cacofonia de repúdio ao crime, governantes ostentam sua indignação e solidariedade com as famílias das vítimas, legisladores ameaçam votar projetos de lei a toque de caixa, passeatas clamam pela paz etc. Tanto barulho para nada. Com o tempo, o tema da segurança volta para baixo do tapete. Nas semanas após o crime bárbaro, muitas chacinas, algumas balas perdidas de revólver de policiais acertam casualmente uma moradora no gueto. Mal são notadas: compaixão e clamor só para vítimas de fora dos guetos. O debate aprofundado sobre a prevenção da violência é entediante demais, frio diante da tragédia. Já a retórica do sangue é ágil, combina docemente com a sede de vingança. No Carnaval das respostas fáceis, a escola da mão pesada ganha novos adeptos entre intelectuais que também babam sangue. Pregam penas de internação mais longas para crianças e adolescentes em conflito com a lei, condenando-os alegremente às sevícias e aos estupros que prevalecem nas instituições fechadas. Esquecem que o direito penal é a vertente mais discriminatória do direito, pois se abate quase que unicamente sobre os habitantes dos guetos. A pregação furiosa pelo endurecimento penal agrava a discriminação racial e social sem sequer arranhar a escalada da criminalidade. As mais de duas décadas de consolidação da democracia no Brasil foram acompanhadas de uma explosão sem precedentes da violência. A perversa associação entre o aumento da insegurança e o estabelecimento de um Estado democrático de Direito é utilizada no ataque aos supostos defensores dos “direitos dos bandidos”. Falar de prevenção da violência e reforma da polícia (estrutura intocada desde a ditadura), apurar adequadamente crimes cometidos por agentes do Estado, assegurar plenamente o acesso à Justiça, mencionar eficiência e transparência ao divulgar informações sobre criminalidade e ação policial, proteção das vítimas etc. dá trabalho e rende pouquíssimo ibope. Por que lembrar (como fazem as 500 páginas, Estado por Estado, do 3º Relatório Nacional de Direitos Humanos, publicado pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP) que a maioria dos homicídios no Brasil não é apurada e que a fácil obtenção de armas de fogo (referendada com apoio da escola da mão pesada) tem papel determinante na carnificina? Para que reconhecer que a larga maioria dos crimes cometidos por adolescentes não é violenta, que a maioria dos adolescentes e adultos detidos não tem processos julgados em prazos razoáveis? Por que lembrar que as prisões mesclam criminosos perigosos e primários? No ritmo contagiante do endurecimento penal, compensamos o sempre adiado espetáculo do crescimento econômico com o incomparável e espetacular crescimento na população carcerária. Entre 2000 e 2006, aumentamos em 72% o número total de presos. Temos em números absolutos e proporcionais a maior quantidade de presos da América Latina. Sem que a criminalidade diminua. Reduzir a idade da responsabilidade penal e garantir estadas mais prolongadas no sistema de detenção de crianças e adolescentes contribuirá para aprofundar ainda mais o ciclo de comprovada incompetência para proteger a população. Ocupar “manu militari” os guetos, deixando livres os chefes do crime, saciar a sede de vingança, torturando suspeitos, e encarcerar mais não trará paz. Ao contrário, alargará ainda mais a insegurança, engabelando a população até a próxima temporada de guerra (frouxa e incompetente) ao crime.
PAULO SÉRGIO PINHEIRO, 63, é expert independente do secretário-geral da ONU para a violência contra a criança. Publicou em 2006 o Relatório Mundial sobre Violência contra a Criança. Foi secretário de Estado dos Direitos Humanos do governo FHC. MARCELO DAHER, 29, é especialista em direitos humanos do Alto Comissariado para os Direitos Humanos da ONU (Genebra).

CONTRA A REDUÇÃO DA IDADE PENAL

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retirado de http://opintitude.blogspot.com 
Bombardeados por tantas informações, oprimidos por tantos deveres, conduzidos pela competição que impera no capitalismo, reproduzimos rumos impostos pela Elite da nossa sociedade.
Sociedade esta que conduz os nossos jovens a Rota da Morte, que se apresenta cada vez mais cedo e cada vez mais perverso aos que não tiveram acesso à escola, lazer, saúde, moradia, trabalho, transporte, enfim o “direito à vida com dignidade”.
Conformados
com essa realidade, apoiamos sem refletir, medidas que punem e culpabilizam cada vez mais cedo jovens negros e pobres.
Estamos
diante do risco iminente da aprovação de medidas que reduzem a maioridade penal e ampliam o tempo de internação desse jovem. Medidas defendidas pelos mesmos legisladores, que historicamente tem passado impunes pelos seus crimes.
Essas
medidas não resolvem a situação de violência instalada em nossa sociedade.
Entre 2002 e 2004, foram assassinados com arma de fogo, através de homicídios e chacinas, 18.599 jovens entre 15 e 24 anos.
· É
urgente impedir a Rota da Morte.
· É
urgente revelar os verdadeiros culpados pela violência que se instala na nossa sociedade.
·
Não a culpabilização e criminalização do jovem.
·
Sim ao protagonismo da juventude.